terça-feira, 3 de abril de 2007

Cartas esquecidas

Vinha sim, como num toque bucólico meio cafona, de músicas que não eram mais cantadas.
Discutindo revoluções, que tanto ela quanto ele, sabiam ser utópicas.
E, a voz dele grave e baixinha...
Declamava poemas que ela nunca ouvira, ou pelo menos não lembrava-se (mas é claro que sempre dizia que apenas que não lembrava. Porque perto dele gostaria de ter lido todos os autores, seus livros, seus críticos e até os seus diários.)
E ele era péssimo em contar piadas, mas era ótimo em narrar partidas patéticas de pingue-pongue, e os dois sempre davam um jeito de transformar esse jogo em qualquer coisa, menos em pingue-pongue.
E como era divertido fazer qualquer coisa com ele. E tinha um olhar tão doce e profundo, que se ela não visse profundamente, não perceberia o olhar de aprendiz que ele tinha, quando os dois conversavam sobre algo que ela sabia – momentaneamente – mais do que ele.
E também tão sério olhar, que às vezes ela gaguejava, quando tentava encarar-lhe e explicar-lhe qualquer coisa. E ela sempre gaguejava... e percebia que nesses momentos a boca dele se movia como se ele quisesse pronunciar as dificuldades por ela. E por causa disso não se sentia mais boba por gaguejar.
Como naquele dia que ela levara o maior capote de todos os tempos, correndo bêbada na praia, e mesmo depois de estar nocauteada no chão, sem entender ainda direito o porque da queda, ele aparecera com as mãos estendidas, e sorrindo a levantara.
Ou quando, ficara debruçado na janela, enquanto ela vasculhava a internet atrás de umas músicas do Portishead, e ele a convidara a ouvir uma música da Beth que ele adorava, e a música era tão sutil quanto ele.
Ou quando contava sobre seus velhos causos de infância, ou revelava sua solidão presente. Estava ainda confinado àquela cidade.
Cidade que ela se obrigava a ir passar uns poucos dias. E porque ainda não sentia falta dele. Pensava ainda quanto tempo se passaria para que esse filme parasse de ser dividido em duas histórias. Queria sua história junto a dele. E no fundo, sabia que seria assim... ainda que isso tivesse de levar meses para amadurecer. (Ironias...)
Uma vez ele lhe contara sobre sua adolescência, sempre cheias de amores platônicos. Ela compartilhara os pouquíssimos momentos em que sentira isso. E hoje, ela com vinte e poucos, era quem sentia e provava desse sentimento. E o amava, delicada e singelamente. E o amaria mais, certamente, quando pudesse partilhar assim com ele, e pudesse partilhar também todos os seus pensamentos, cafés, sonhos, risadas, desejos, álcoois, poemas, romantismos, boemias, clichês... os cigarros que ele fumava, as manias neuróticas que ela insistia manter, enfim, a vida...

Um comentário:

Edi Oliveira disse...

Li, reli, li de novo. E só consegui pensar numa frase:


- Nossa!